sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Choro

Não há mais tempo a perder
nem palavras a serem lançadas ao vento,
irresponsavelmente ditas para machucar.
O tempo é cruel e mostra suas garras aos poucos,
matando lentamente aquilo que conquistamos com sacrifícios.
O tempo mata, as palavras malditas matam com crueldade.
Não sei o que é pior neste momento.

Há ruídos na noite,
sinais de vida junto a nós,
o tique-taque do tempo passando,
a água acordando o rosto cansado.
Um cão passeia sozinho na madrugada úmida.
Como ele, tento conseguir um abrigo
nesta tempestade sem tréguas.
Não há abrigos para os fracos.
Sinto-me fraco e o tempo passa;
o tempo é implacável com os arruinados.

Choro sentado num canto da sala.
Choro por mim e pelo cão vadio.


Maio 2002

Vida

A vida esvai-se pelo ralo.
Vai-se pelo encantamento dos canos,
água intangível perdida nos anos
que logo habitará o oceano
das lágrimas que derramei em vão.

Em rigoroso desacordo,
sonhos e desesperos,
alegrias fugazes e amores quase inesquecíveis,
trevas e desilusões,
alimentam o milagre do mundo,
que gira também para os opostos.

Opostos que se atraem,
como me atraem teus olhos de mel
e tua boca mascava, que molha a mel e rega pensamentos.
Anos de eletricidade intrínseca,
a agitar os mares de minhas veias,
bombeando a alma, florescendo a paixão
e o deslumbramento.

Asas e grilhões, num navegar perene,
entranham-se no ventre dos peixes,
seres de prata luminosa e de sal profundo.
Fontes de vidas que virão,
para esvaírem-se nos ralos encantados,
em lágrimas de dor e de esperança,
que vêm e que vão,
como as marés das incertezas.


Chile, fevereiro 2008

Roda viva

Antes que o dia termine,
Antes que a Lua ilumine,
Antes que o parto inicie,
Antes que o choro comece,
Nasce a flor da primavera
Surge a dor inesperada,
Abre a janela do nada
Que leva ao fim do caminhar.

Antes que o caminho comece,
Antes que a flor despedace,
Antes que a dor reanime,
Antes que o nada se abra,
É o fim do inesperado,
É a luz primaveril
Que nasce no fim do rio
E irradia o amor de sempre.

Antes que o amor desespere,
Antes que a primavera se abra,
Antes que a janela se feche,
Antes que o rio finalize
Surge o caminho do nada,
Chora a dor inesperada,
Antes que o dia termine,
Nos braços de minha amada. 


Agosto 2008

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Agonia

Alguma coisa morre dentro de mim
a cada minuto.
São esperanças vãs,
expectativas que se frustram,
templos sagrados de um amor que míngua
que sei que se acaba
que se consome,
que me consome,
e que vai morrendo dentro de mim
a cada minuto.

Há muito que morrer dentro de mim.
Passam-se os minutos, as horas, os dias,
e ainda há o que morrer.
Se não hoje, amanhã.
Se não muito, pouco.
E aos poucos se somam as perdas,
somam-se novas esperanças,
vão-se as esperanças,
a brincar dentro de mim,
num redemoinho sem fim.

Sei que há muito a morrer dentro de mim,
porque há lágrimas secas
a chorar, no íntimo, emudecidas.
Um choro que vai e vem,
um choro de perda, agonizante,
apaixonado e triste,
ambíguo como as hesitações,
o saber e o desconhecido,
o certo e o escuro, o dentro e o longe,
batendo na pulsação de cada minuto,
a morrer e a teimar,
quando a noite vem,
implacável na sua lentidão,
no silêncio de dentro e de fora de mim.

Dezembro 2001